Acordamos às 5:00h e, sem nem tomar café da manhã (só um café preto), carregamos as canoas com toda a tralha e zarpamos finalmente da Base Araras às 6:15h. Numa canoa Tito e Valdo (proa) e na outra Jack, Marcelo (proa) e, como passageira, Myrra, artista plástica fluminense, encaixada nas bagagens. Vento moderado.
Primeira parada na enseada em baixo da Itatinga. Pequeno lanche com frutas e biscoitos. Myrra pintou uma ararinha azul numa pedra com a ajuda de Marcelo. Recomeçando a remar em direção a São Rafael constatamos um leve aumento da intensidade do vento.
Cruzamos a foz do rio Caraú e nos dirigimos à ilha da Caixa com uma suave brisa a favor; remamos tranquilamente por algumas horas até entrar na segunda grande enseada que se forma desse lado do rio e ali paramos para almoçar. Enquanto eu preparava o almoço, Myrra foi pintar outra pedra. De repente o céu fechou por uma meia hora e uma chuva rala, mas de gotas grossas, caiu inesperada. Para o almoço preparei carne de sol e feijão verde na panela de pressão, arroz refogado e uma salada mista.
Depois do almoço descansamos um pouco esperando Myrra terminar sua segunda pintura rupestre, um teju; às 3:00h da tarde, quando voltamos a remar reparamos que o vento tinha subido bastante de intensidade e estava formando altas marolas no meio da enseada. Com o vento soprando irregularmente, cavalgamos as ondas e chegamos à outra margem com alívio.
Contornando a costa chegamos ao Campo "E", próximo à entrada do porto de São Rafael, por volta das 5:00h da tarde, por um total diário de aproximadamente 20km percorridos. Organizamos rapidamente o acampamento e assistimos de um lado ao pôr do sol e do outro a lua cheia nascer, tomando um café.
Para o jantar, logo depois, uma macarronada deixou todo mundo pronto pra dormir. Tito deitou dentro da barraca e todos os outros nas redes. Eu ainda pensei em anotar algo no meu caderninho, mas não consegui...
2º dia
Vislumbramos de longe a torre da antiga igreja de São Rafael, que se ergue no meio do rio, mas deixamos para a volta vê-la de perto.
Na frente da moderna cidade, edificada na época da construção da barragem que alagou a região, uma ampla e baixa ilha fica no meio do rio, dividindo-o em dois largos canais; cruzamos o canal que dá acesso ao porto principal de São Rafael com um moderado vento de través e contornamos toda a ilha seguindo o curso principal do rio. Cruzamos para outra margem, avistamos o Sítio Mutamba, que já pertence ao município de Jucurutu, e continuamos remando até às 10:00h, quando paramos para fazer um lanche, deixando o tempo a Myrra de efetuar outra pintura rupestre. Dessa vez a artista realizou um bicho esperança, quer dizer, um grilo.
Recomeçando a remar, seguimos em direção à ilha Timbaúba, onde chegamos pouco depois do meio-dia. Logo encontramos dois pescadores, entre os quais Bil, conhecido da gente, que estavam pescando acolá. Como acabavam de chegar, não tinham ainda peixe para vender. À procura de um bom lugar para organizar nosso rancho, costeamos a ilha toda no lado ocidental e aportamos ao pé de um grande rochedo, onde existe uma pequena palhoça usada como abrigo pelos pescadores da região. Com a nossa lona azul ampliamos a área de sombra e organizamos nosso acampamento, denominado Campo "F". Para o almoço preparei carne de sol com batatas na panela de pressão e arroz refogado. Não sobrou nada.
Às 3:15h da tarde enviei Marcelo e Valdo numa canoa à procura de água mineral e gelo numa vila, que avistamos com o binóculo, não muito longe dali. Com Tito fui dar uma caminhada até um alto lajedo de onde acompanhamos a ida e a volta da canoa com os dois jovens. Passamos por uma casa rústica, construída com barro e grandes tijolos maciços, que também deve ser usada como rancho só de vez em quando por alguns pescadores locais. A artista Myrra, não acostumada ao calor nordestino, ficou na sombra, mas não parada: no mesmo rochedo perto do qual assentamos nosso acampamento realizou uma nova pintura para o Museu da Terra: um periquito verde.
Após pouco mais de uma hora, Marcelo e Valdo voltaram comunicando que na vila onde desembarcaram não existe algum comércio: nada de água mineral nem gelo, então; mesmo assim conseguiram pelo menos trazer água potável para utilizar cozinhando. De volta ao acampamento tomamos aquele bom café quente que Marcelo aprendeu a fazer assim mesmo como a gente gosta e nos preparamos para passar a noite. Armamos a barraca de Tito e as nossas redes; Myrra aprontou seu catre por baixo da palhoça. Pontual, às 7:00h da noite, a lua apareceu no céu, iluminando nossas atividades com sua cor prata.
Uma macarronada parecida à do dia anterior acalmou o apetite de todo mundo; depois, como sempre, fomos deitar cedo. Menos cansado que o primeiro dia, não peguei logo no sono e, deitado na rede, fiquei meditando um pouco olhando pra lua.
No segundo dia o grupo remou apenas 13 km, mas Marcelo e Valdo acrescentaram mais uns cinco quilometros à dose diária indo procurar a água e o gelo.
3º dia
Eu, que durmo balançando na rede, me sinto em total harmonia com a natureza, num virtual abraço do universo inteiro me botando pra dormir!!! eh eh eh...
Ao amanhecer fui despertado por passarinhos gorjeando. Levantei de bom grado. Myrra e Tito estavam já acordados e ambos, em cima do grande rochedo para ter um visual mais amplo, estavam "participando" do raiar do novo dia. Peguei a câmera fotográfica e o binóculo e também subi na pedra.
A paisagem de cima do penhasco nos permite uma visão de 360º. A cidade de São Rafael ainda aparece lá no fundo. Na margem direita do rio corre até o horizonte a Serra das Pinturas, evocando futuras explorações; na margem esquerda umas altas serras de topos bizarros que ocultam a Serra Branca e, no rumo dessa nossa expedição, a grande serra que esconde à nossa vista a cidade de Jucurutu; esta serra é bem visível desde o Sítio Araras e nós a identificamos facilmente de longe por parecer uma pirâmide. Estamos já na época da estiagem e a vegetação do sertão representa mais uma vez a metamorfose da caatinga que seca, mas não morre. Oásis verdes identificam de longe a presença humana (e de uma bomba elétrica também... eh eh eh!)
Finalmente Marcelo trouxe uma xícara de café forte para a gente sair do sonho e voltar à realidade. Preparamos e consumimos rapidamente um café da manhã substancioso e desmontamos o acampamento.
Tito identificou as primeiras horas do dia como o momento melhor para tirar fotografias e assim a gente tenta estar já em ação cedo.
O dia amanheceu praticamente sem vento e assim ficamos remando como fosse num espelho de água.
A monte da ilha Timbáuba o rio Piranhas é ignoto a todos nos; na nossa última remada Marcelo e eu chegamos até a Timbaúba, passamos umas horas ali feitos cabras, subindo cada penhasco à procura de pinturas rupestres e voltamos.
Após a enchente do inverno passado o rio está tomando conta da paisagem. Largas baías se formam por todo lado e aqui e ali aparece o topo de alguma ilhota. Num ritmo aparentemente preguiçoso fomos remando de um canto para outro, marcando waypoints no gps e tirando fotografias das muitas aves presentes na região: carcarás, garças, mergulhões, galinhas d'água, socós, etcetera.
Por volta das 10:00h da manhã encostamos num rochedo para tirar a foto de um lagarto bonito e acabamos parando por um tempo ali. Myrra desembarcou a caixa das tintas e foi pintar um iguana numa rocha escolhida por afinidade com o bicho que será retratado. Comemos frutas e biscoitos e conversamos um bocadinho com Francisco, pescador que mora ali perto e veio nos conhecer; perguntei sobre o peixe e ele disse que tinha umas pescadas para vender, mas eu, lembrando que a pescada é um peixe chamado de "comida carrregada" na região, não quis arriscar eventuais dores de barriga.
Marcelo tentou pescar numas pedras com suas iscas artificiais, mas sem resultado. Mais uma vez ele pegou só uns peixinhos pequenos, que logo depois soltou livres na água. Valdo ficou vigiando essa pescaria.
Tito e eu esperamos Myrra terminar a sua pintura de molho na beira do rio, lembrando viagens passadas e projetando as futuras.
Quando Myrra completou a pintura, marcamos o waypoint e tiramos as fotos de circunstancia. Depois voltamos às canoas e aos nossos remos.
Cruzamos para a outra margem do rio passando por mais duas ilhotas, sendo os dois rochedos no topo de alguma área maior atualmente submersa.
Paramos na segunda ilhota por que Myrra quis ver a estatua de uma imagem sagrada entre duas pedras no alto do penhasco, colocada por alguém; mas quando Marcelo olhou direto de perto desvendou o mistério: nada de estatua, só um jogo de sombras nas pedras...
A margem do rio é abrupta e foi difícil encontrar um lugar onde parar; mas de repente encontramos ao mesmo tempo um bom lugar onde almoçar e uma grande pedra para Myrra pintar.
Mas, antes de tudo, para tomar um bom banho refrescante!
Inspirada pelos bonitos carcarás que de manhã posaram (quase) pra gente nos galhos secos de umas arvores, Myrra pintou um deles numa larga pedra bem na beirada d'água.
Para o almoço preparei feijão verde e carne de sol na panela de pressão, arroz refogado e uma salada mista. A panela de pressão resultou ser uma peça muito pratica de usar na minha "cozinha de acampamento". Nunca vou deixar de carregar uma durante estas expedições! eh eh eh...
Quando voltamos a remar, por volta das 3:00h, reparei que a gente ia cruzar a foz de um outro afluente do Piranhas, o rio da Garganta, e que o vento estava soprando com vigor.
Com o vento meio atravessado dobramos a ponta e entramos numa paisagem completamente diferente. O seco sertão deixa de repente espaço para a agricultura. Tudo está VERDE! Uma larga e baixa língua de terra divide o rio em dois canais. Entramos no canal maior, no lado da cidade, e continuamos remando.
É preciso prestar muita atenção: as cercas dos terrenos entram na água por dezenas de metros e os tocos submersos são perigosíssimos. A canoa onde viajam Tito e Valdo foi bater de raspão num toco desses e o casco ficou um pouco danificado, mas nada de grave... (com calma depois fiz um curativo nela com silver tape, eh eh eh!).
Durante a estiagem o leito do rio deve reduzir-se muito; o fundo, agora de areia, é bem baixinho e duas vezes ficamos atolados. A cidade e a ponte de Jucurutu no fundo nos levam de volta à civilização. O vento parou de soprar de repente e chegamos por baixo da ponte na maior calmaria.
Com Marcelo escalei a ponte e fui buscar água mineral e gelo no posto de gasolina à beira da estrada. Myrra foi procurar na internet uma imagem da coruja jucurutu, que deu nome aos índios que viviam na região, para sua última pintura durante esta expedição.
Quando voltamos às canoas, com Marcelo fui remando um pouco mais a monte da ponte, mas um grande banco de areia fechou definitivamente o caminho. Voltamos à ponte e com desconcerto entendemos que nos arredores não tinha arvore nenhuma para armar nossas redes.
Saímos de baixo da ponte e remamos até uma rara área não cultivada onde fixamos o Campo "G" já ao crepúscolo. Famintos, não esperamos cozinhar nada e comemos frutas, biscoitos, queijo, salame, pão, castanhas tomando café bem quente.
Armamos a barraca para Tito e estendemos uma lona bem dobrada na areia para nos dormir.
Às 8:00h da noite a lua apareceu no céu e todo mundo estava já dormindo. Sentado numa pequena espreguiçadeira, fiquei observando a lua com o binóculo por um pouco, escutando apenas uma batucada bem longínqua. Depois fui deitar eu também.
Nesse 3º dia de expedição percorremos cerca de 20 quilômetros remando.
4º dia
Às 5:00h acordei e logo despertei Marcelo para ir juntos à feira do domingo e voltar antes do dia esquentar. Myrra, que deve ter começado a pintar no escuro, terminou em breve sua última obra: uma coruja jucurutu, ave sagrada dos indios locais, que assim foram conhecidos pelos conquistadores que acabaram dando o mesmo nome à cidade.
Tomamos rapidamente um café enxuto e por volta das 6:00h deixamos Tito e Valdo à nossa espera e fomos pra feira. Foi nessa hora que marquei bobeira e esqueci de carregar comigo a câmera fotográfica... putz, que fotos boas deixei de tirar !!!
Botamos a canoa em seco por baixo da ponte e guardamos os remos numa fabrica de queijo ali ao lado. No posto de gasolina nos despedimos de Myrra, que vai continuar a sua viagem de ônibus, e caminhamos pela cidade até a feira.
Comprei muita fruta fresca, queijo, peixe, frango e carne de sol. Comprei também uma muda de mangueira, para plantar no terreno da Base IGARUANA no Sítio Araras. Procuramos um pouco, mas afinal conseguimos comprar uns sacos de gelo e começamos a voltar. No meio do caminho, num mercadinho comprei macarrão e café.
Voltamo à canoa e remamos até o campo base. Guardamos os alimentos nas caixas termícas e arrumamos toda a tralha nas canoas. Com a partida de Myrra, passageira da minha canoa por três dias, pudemos distribuir os pesos diferentemente entre as duas embarcações.
Considerada a ponte de Jucurutu ponto final desta expedição, começamos nossa viagem de volta, remando preguiçosamente numa manhã belissima, observando as numerosas aves nas beiradas.
A luz da manhã estava ótima para tirar fotografias, assim aproveitei de uma parada imprevista num banco de areia para descer da canoa e filmar um nutrido grupo de aves dando um showzinho pra gente.
Ao contrario, Tito e Valdo se empolgaram na remada e em breve desapareceram da nossa vista. Tentei chama-los usando até o apito, mas já estavam longe demais.
Os "apressadinhos" perderam de marcar junto com a gente a confluência do paralelo 6ºS com o meridiano 37ºW, bem no meio do rio.
Foi só depois de cruzar de novo a foz do rio afluente que houve a reconjunção do grupo. Fizemos um lanche rapido e fomos procurar um lugar onde arranchar para preparar o almoço. Subimos um pouco pelo rio Garganta e algumas centenas de metros depois do rochedo onde almoçamos no dia anterior, encontramos um recanto ainda melhor para parar. Uma enorme pedra lisa com um lugar privilegiado na sombra para descansar.
Cozinhei o arroz e botei o peixe na caçarola, com temperos e legumes, depois fui tomar um bom banho refrescante. Tito, deitado na pedra como um sniper, desparava clics com suas maquinas fotograficas. Os meninos descansaram na sombra.
Depois do almoço, quente, abondante e gostoso, só conseguimos ficar deitados na sombra falando besteira por um tempão.
Por volta das 3:00h voltamos a remar e subimos o afluente até onde deu. Num lugarzinho encantado, com aquela luz da tarde de tom bem quente, um tucunaré beijou minha mão, pendurada à pêlo d'água. Eh, eh, eh... momentos únicos!
Remamos contra o vento uma hora para procurar um lugar para acampar e não foi fácil encontrar a arvore certa no crepúsculo, mas afinal encontramos um local bom para armar a barraca e as redes. Nesse domingo preguiçoso percorremos apenas 12 quilometros.
Descarregada a tralha, tomamos um café bem quente e botei água para ferver e assim preparar uma energetica macarronada. Tito disse que não estava com tanta fome e que à macarronada preferia algo de mais leve, só pra beliscar e ir dormir logo. Assim arrumei pra ele um pratinho só com umas azeitonas, queijo em cubinhos, filé de tomate, assim mesmo, bem siples. Ficamos beliscando juntos, tomando café e conversando... mas na hora da macarronada ele não resistiu e comeu um pratão!!! E eu também.
Depois disso fui direto pra rede.