quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

[meu sertão] quem cedo madruga... ganha um peixe e tem que ir comprar o coentro para fazer o pirão



Foi massa, hoje. Acordei bem cedinho, com o corpo todo dolorido pelo trabalho duro de pá e enxada dos dias anteriores. Com o céu todo azul, conferi a medição no pluviômetro¹ com uma hora de antecedência, e fui tomar banho de rio.
A água estava bem geladinha, mas em poucos minutos me acostumei e fiquei boiando entre um barquinho e outro dos poucos pescadores locais, que não foram pescar no Ceará, ou trabalhar numa fabrica de tijolos, para sobreviver à seca.
Pouco depois, desceu pro berço-dágua seu Zé, meu vizinho, que completou 81 anos umas semanas atrás. Ele é minha inspiração para um filme que tenho na cabeça, intitulado: "Zé Preto - Sempre fui pescador"...
Seu Zé começou a arrumar as coisas na canoinha dele e eu fui até lá para conversar um pouco com ele.
De pronto, me avisou que, com a chuva do dia anterior, o rio tinha subido oito centímetros. Estas medidas são tomadas pelos próprios pescadores em estacas marcadas, fincadas nas margens da barragem. Curiosamente, a chuva do domingo, que foi bem maior, não fez subir da mesma forma o nível do rio.
Seu Zé me explicou também como interpretar os sinais deixados por milhares de larvas de um bichinho aquático, que crescem nos troncos podres que ficam nas margens de rios e lagos. Vou explicar isso pra você outra vez, depois de eu entender direitinho.
É lendo os sinais da natureza, como esse daí, que seu Zé hoje decidiu ir pescar num serrote, que fica não muito distante e que, quando ele for lá, está dando sempre um peixinho pro almoço, pelo menos.
Me despedi de seu Zé e sai da água para voltar pra casa. No meio do caminho, chegou por trás, com passo ligeiro, outro pescador, Tonho. É a ele, quando passa na frente de casa, que eu pergunto, se acordar com vontade de comer um peixe:
~Esse peixe é pra vender? - e logo, por um precinho camarada, eu levo pra cozinha um tucunaré ou uma tilápia de um quilo, quilo e duzentos, que pra mim tá bom demais.
Tem dias, porém, como hoje, que ele me responde:
- Não é pra vender não - diz, com cara séria, e depois, abrindo um sorriso:
- Leve este peixe pra você, não precisa pagar...
Como já ando pelo Vale do Assu desde 2008, aprendi a não ficar discutindo em casos como este; isso faz parte da cortesia sertaneja, que tem regras não escritas, feitas por pessoas de palavra.
Agradeci, prometi uma bacia de umbu-cajás, e entrei em casa. Logo me lembrei que não tinha coentro, que, não sei você, mas por mim é um ingrediente fundamental do caldo de peixe, que vai virar um delicioso pirão.
Assim peguei a bicicleta e da-lhe 4+4km pedalando para ir e voltar até o mercadinho.
Mas, ainda este ano, eu planto coentro no meu quintal, juro!
¹ das 7h do 1º de fevereiro às 6h do dia 2,
o pluviômetro da Base IGARUANA registrou 18mm/m² de chuva.