sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Uma pequena viagem - parte 4

As atividades na fazenda de Zé Domingos começam muito cedo; por volta das 5:00h todo mundo levanta da cama e em breve continuar a dormir vira um verdadeiro desafio, pois o barulho é grande. Às vezes fico mais um pouco deitado na rede escutando [querendo ou não querendo] no rádio as noticias locais em forma de cantoria: programa muito simpático... às 5:30h na FM Santa Luzia. Mas o que gosto mesmo de fazer é levantar-me e, sem falar muito com ninguém, sair para dar uma caminhada na região. Já tenho um itinerário preferido, mas de vez em quando opto por um passeio diferente. Marina Luna, ao contrario de mim, não se importa muito com o barulho; toma um leitinho ainda no sono e continua dormindo por um pedaço. Caminhar por ruas e trilhas poeirentas escutando o canto dos passarinhos é bom demais. Os pensamentos fluem leves na cabeça e a harmonia é total. A maioria dos encontros que faço durante estas caminhadas é com animais: vacas, cabras, burrinhos... muitos pássaros e outras aves! Hoje fotografei umas corujas muito bonitas: duas menores da espécie burraqueira e uma grande suindara, bastante rara na região.

Quando Marina Luna enfim se levanta, corre nos galinheiros à procura de ovos recém postos. Com o maior cuidado leva os ovos ainda quentes na despensa toda orgulhosa e contente; a vovó Anair então frita na manteiga um ovinho desses para ela comer com pão. Se não tem nada mais importante e urgente para fazer, Zé Domingos passa a manhã e a tarde jogando baralho, num interminável torneio de buraco, apostando dois reais à partida para apimentar um pouco o jogo. Às vezes eu mesmo sou convidado a jogar e fico envolvido um pedaço à mesa; mas sempre que posso passar a bola pra alguém, eu passo, pois não me amarro muito no baralho. Nestes dias consegui pela primeira vez ganhar duas partidas... uma foi ontem e hoje a segunda. Não é nada fácil ganhar uma partida deles, por que Zé Domingos e seus parceiros jogam todos os dias e estão treinadissimos; eu não tenho muita malicia e não consigo lembrar-me todos os descartes... Às 11:30h Dona Anair chama todo mundo para almoçar: trabalhadores, jogadores, parentes e amigos. Na mesa a comida tipica regional preparada pela dona da casa: fejão verde ou mulatinho com costelas de boi, arroz de leite, carne de sol assada, galinha na panela, jerimum, batata doce, farofa de cuscus, suco de fruta de acerola, goiaba, manga, etc. conforme a disponibilidade da despensa; Marina Luna demora sempre um pouco para acostumar-se aos temperos diferentes, mas adora a carne de sol assada.
Nas horas mais quentes do dia é indispensável ficar na sombra, pois o calor é grande. Todo mundo só fala da chuva, que passa longe, mas não chega ainda. Só na quinta feira choveu um pouco à tarde e faltou até a energia elétrica; como demorou em voltar, ao escurecer a fazenda pareceu voltar atrás no tempo, quando só tinha candeeiros e velas. Por volta das 3:00h da tarde já se pode sair para dar uma caminhada ou ir ao pomar coletar as frutas maduras: acerola, goiaba, manga, limão, romã, pinha, banana, laranja... Mas o lugar preferido de Marina Luna à tarde é o curral: outro dia fizemos amizade com uma bezerra marrom que adorou as cascas de banana que a gente deu pra ela. A bezerra pegava e engolia a comida num gesto só, enroscando a linguona. Marina gosta de subir no recinto da vacina e brincar trepada em cima das tabuas mais altas. É dali que a gente assiste o pôr-do-sol; a bola incandescente desaparece atrás das serras longínquas e todos os animais se preparam para descansar. Às 6:00h dona Anair chama de novo todo mundo ao redor da mesa para a janta. O jantar preferido de Zé Domingos é uma tigela de leite com batata doce amassada e pedacinhos de carne de sol assada. Mas na mesa, assim como na hora do almoço, a escolha é variada. Assim como começam cedo, as atividades na fazenda também terminam cedo: por volta das sete horas Zé Domingos arma a rede e assiste o jornal na TV já deitado. Antes que o noticiário termine, ele está já dormindo. Dona Anair ainda fica um pouco acordada para assistir a novela. Marina Luna na rede lê seu gibi tomando leitinho. Quando todos dormir, eu costumo ficar ainda um pouco sentado fora de casa, olhando as estrelas e a lua. O vale do Riacho da Serra fica em silencio até o primeiro galo cantar.
Hoje foi o 77º aniversário de nonna Giovanna, à qual ligamos para os parabéns.