Além
do caminhão de Zé Lopes, dono da mercearia na praça desde 1973, todo
domingo por volta das cinco da manhã, saía de Pipa, na frente do
estaleiro dele, também o carro de Seu Francisquinho, ambos diretos para a
feira de Goianinha. Naquela época, Pipa era completamente diferente, e
olhe lá que estou apenas falando de quinze, vinte anos atrás. Foi com a
chegada do asfalto que as coisas foram mudando tão rapidamente. Não
tinha, como tem hoje, tanta escolha de produtos nas mercearias e outras
vendinhas da vila. Nem tantos compradores, claro.
Aos domingos,quem tivesse grana para gastar ou um produto para vender,
acordava antes do amanhecer e ia pra Goianinha com o carro-da-feira!
Carro mesmo na Pipa tinha muito poucos e o carro-da-feira oferecia por
um valor simbólico ida e volta pro povo, que carregasse o que quiser,
conforme a disponibilidade de espaço.
Enquanto
o céu ia clareando, o pessoal ficava na rua conversando, na expectativa
de escutar o motor do caminhão sendo ligado. As vezes um dos filhos de
seu Francisquinho, acordado na última hora para substituir o pai, ia
dirigindo todo mal-humorado sem nem esquentar um pouco o motor antes de
pegar o caminho. A estrada era de terra e toda esburacada, mesmo assim
os motoristas pisavam fundo no acelerador o tempo inteiro. Os homens iam
equilibrados na borda da caçamba, sempre atentos aos solavancos; as
mulheres sentavam-se em cima dos sacos de mercadoria, encostadas à
cabine, para não pegar muito vento ou chuva, quando chovia.
No
trevo de Sibaúma sempre tinha alguém esperando o carro-da-feira passar.
Uma mulher de uma fazenda lá perto, que ia pra Goianinha vender os
produtos da terra e comprar as necessidades da semana, incluindo um
montão de bolachas e pipoca para a meninada do sítio. De outro local
mais distante, vinham uns homens com dois burrinhos, que ficavam
esperando na rala sombra de umas árvores a volta dos donos. No meio do
caminho subiam outras pessoas, que não sempre ia voltar no mesmo carro.
Alguns iam sempre. Outros de vez em quando.
O
que nunca eu deixava de comprar na feira, me lembro bem, eram uns dois
quilos daquela goma de mandioca bem branquinha pra fazer uma tapioca
gostosa e tomar com um café quentinho.
Um
morador de Pipa que nunca faltava era Zé de Teresa, quem se lembra
dele? Que figura, hein?! Uma vez 'tava todo mundo lá na praça passadas
as cinco, Zé Lopes já no volante e nada de Zé de Teresa. O povo ficou
até preocupado porque ele nunca atrasava, e decidiram ir chama-lo.
Zé!
Zé! Acorda, Zé! Pois Zé estava ainda dormindo mesmo e na pressa de
arrumar-se, colocou as calças ao contrario, com a parte da frente para
trás. Quando subiu no caminhão, todo mundo reparou, mas ninguém disse
nada pois ele estava de cara feia e fechada, recém-acordado aos berros.
Mas chegados em Goianinha, alguém criou coragem e falou. Eu nunca vou
esquecer a expressão na cara dele. "Vocês ficaram caçoando de mim o
tempo inteiro só por isso!?", resmungou ele enquanto descia do caminhão
apalpando as calças ainda incrédulo. E foi pra feira de calças viradas
mesmo.
Dizem
que a vida do pescador de Pipa virou moleza agora que todo barco foi
motorizado. Mentira, pessoal. Olha meu barco a vela ali. Eu não troco
por nada...
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originalmente escrito para a Revista Bora?!